Setembro de 2000
A primeira viagem que fiz para fora da Capital foi à Ponta do Ouro, eu e os meus colegas de trabalho, tivemos o nosso primeiro fim-de-semana para quebrar a intensidade do trabalho. Era preciso, senão, rapidamente, iríamos ficar doidos!
Para se chegar à Ponta do Ouro, a praia mais a Sul de Moçambique, que faz fronteira com a África do Sul, é necessário percorrer cerca de 150 km, dos quais dois terços são efectuados sem asfalto, por estradas de terra e picadas de areia solta. Só os afortunados com veículos 4x4 podem visitar as “pontas” do sul do país: Ponta Dubella; Ponta Mamoly; Ponta Malongane e Ponta do Ouro.
Saímos de Maputo às 05:00, rumo a Boane, onde acaba o asfalto. Entramos numa larga estrada de terra batida, que consoante a altura do ano, pode estar mais ou menos batida. Quando chove, esta é uma estrada bastante perigosa. O matope (lama) torna-se um ringue de patinagem para os carros que se aventuram a velocidades acima dos 50Km/h. É o cenário de muitos despistes e acidentes.
É nesta altura que se começa a entrar na paisagem africana. Mato, palhotas dispersas rodeadas de pequenas machambas, crianças despidas a brincarem no meio da estrada, mulheres transportando água, micaias, as árvores dos picos, como lhes chamo, e terra quase vermelha.
Chegamos à Bela Vista, e depois de apanharmos um pedaço de alcatrão perdido no tempo, inicia-se o trajecto mais radical: a picada rumo às dunas começa.
A estrada é estreita, com muitos trilhos diferentes, que se alternam por bifurcações constantes, na tentativa de escolher o melhor caminho. Quando dois carros, viajando em sentidos contrários, se cruzam, um deles tem que sair do trilho para que ambos consigam seguir viagem.
A vegetação alterna entre caminhos fechados entre os ramos de pequenas árvores, e vegetação rasteira, mas muito abundante. Cheira a verde e a pântano, mas à medida que nos aproximamos do mar, o seu odor faz-se sentir.
Tudo corre bem até ao cruzamento que passa despercebido para quem não o espera encontrar. O truque é procurar a indicação para a Reserva dos Elefantes e seguir na direcção oposta. A partir daqui as coisas podem-se complicar, pois a areia solta é mais abundante.
Em África há uma regra muito respeitada para quem gosta de se aventurar: nunca viajar só. Dado que as estradas asfaltadas são escassas e raramente nos levam aos locais mais longínquos e belos, a probabilidade de enterrar o carro ou partir qualquer peça importante do veículo, é elevada. Além de outras razões relacionadas com a segurança, este é um dos principais motivos para efectuar viagens em grupo, de pelo menos dois carros. Naquele dia, a nossa caravana era composta por dois jipes, um conduzido pelo Fernando e o outro, o do Tio António, que teve um furo pelo caminho.
Viajar em África é uma dimensão diferente para quem está habituado à Europa ou a qualquer país onde o todo-o-terreno se pratica por desporto, procurando-se locais adequados para sentir a emoção de ultrapassar dificuldades de condução. Em África, a tracção às quatro rodas é uma necessidade, até para quem vive nas cidades, onde o alcatrão alterna com gigantescos buracos.
Em Moçambique, dos cerca de três mil quilómetros de praias, apenas é possível chegar de carro sem tracção a menos de dez praias.
Nesta parte da nossa viagem era, de facto, possível cruzarmo-nos com elefantes. Com toda a certeza, encontrámos muitos macacos, a atravessarem os trilhos à nossa frente ou pendurados nas árvores à beira da estrada. Podíamos ainda procurar crocodilos, nas zonas das lagoas, muito perto do mar.
Uma vez, numa manhã de praia na Ponta do Ouro, ouvi uma grande azáfama de vozes, direccionando-se para um dos lados da baía. “Está ali um crocodilo!”. Não queria acreditar, mas era verdade, lá estava o pobrezinho, a tentar perceber como teria ali ido parar. Nem ele nem ninguém entendia muito bem o que teria ido fazer à praia! “Deve-se ter perdido”, diziam os veraneantes.
Bem, de volta ao nosso percurso, chegámos muito perto das dunas e aí o trajecto podia tornar-se mais lento. É muito comum encontrar uma fila de trânsito, nos dois sentidos, provocada por algum carro em dificuldades. Aí, todas as pessoas ajudam: empurram, tiram areia, puxam com cordas presas a algum carro com condições para rebocar, etc.
A nós também nos aconteceu e por mais de uma vez. Apesar da tracção, a falta de prática na condução não ajudavam. Percebi, durante os quatro anos de viagens em Moçambique, que a prática é essencial para conseguir ultrapassar dificuldades. Modéstia à parte, tornei-me uma boa condutora em trilhos de areia, na minha pick-up Mazda 3.4 V6, com volante à direita. Era uma maravilha e foi-me algo difícil deixá-la para trás.
Nesta altura, ainda não conduzia 4x4, apenas me deixava ir, aos solavancos, apreciando a paisagem e saindo do carro para ajudar a empurrar, chovar, é o termo utilizado pelos moçambicanos.
Chovar é uma das palavras que mais ouvi em Moçambique, pois não são só os carros enterrados que precisam de ser empurrados, o velho parque automóvel do país, assim o exige.
Depois de muitas atribulações, chegámos à Ponta do Ouro. Uma vila de casas de praia do tempo colonial, a maior parte delas já em reabilitação e algumas mesmo em construção, à volta da baía de águas claras. Baías entre pontas, é assim que esta zona está organizada.
A ponta do ouro é um dos locais preferidos dos sul-africanos, para o mergulho. Há, pelo menos, três escolas e uma dezena de zonas de corais que fazem as delícias dos amantes do fundo do mar. Não foi na Ponta do Ouro que aprendi mais este desporto, mas foi lá onde fiz alguns dos mais atribulados mergulhos de que tenho memória.
O calor era insuportável. A praia só era aconselhável pela manhã e ao final da tarde, mas era o suficiente para queimar a pele europeia. Dormíamos à sombra das árvores, tomávamos banho de água fria, comíamos ao ar livre e ali ficávamos a conversar e beber até muito tarde, já sem o gerador ligado, que nos dava a energia necessária para cozinhar. Ali ficávamos, iluminados pela lua, a contemplar o céu estrelado.
A primeira viagem que fiz para fora da Capital foi à Ponta do Ouro, eu e os meus colegas de trabalho, tivemos o nosso primeiro fim-de-semana para quebrar a intensidade do trabalho. Era preciso, senão, rapidamente, iríamos ficar doidos!
Para se chegar à Ponta do Ouro, a praia mais a Sul de Moçambique, que faz fronteira com a África do Sul, é necessário percorrer cerca de 150 km, dos quais dois terços são efectuados sem asfalto, por estradas de terra e picadas de areia solta. Só os afortunados com veículos 4x4 podem visitar as “pontas” do sul do país: Ponta Dubella; Ponta Mamoly; Ponta Malongane e Ponta do Ouro.
Saímos de Maputo às 05:00, rumo a Boane, onde acaba o asfalto. Entramos numa larga estrada de terra batida, que consoante a altura do ano, pode estar mais ou menos batida. Quando chove, esta é uma estrada bastante perigosa. O matope (lama) torna-se um ringue de patinagem para os carros que se aventuram a velocidades acima dos 50Km/h. É o cenário de muitos despistes e acidentes.
É nesta altura que se começa a entrar na paisagem africana. Mato, palhotas dispersas rodeadas de pequenas machambas, crianças despidas a brincarem no meio da estrada, mulheres transportando água, micaias, as árvores dos picos, como lhes chamo, e terra quase vermelha.
Chegamos à Bela Vista, e depois de apanharmos um pedaço de alcatrão perdido no tempo, inicia-se o trajecto mais radical: a picada rumo às dunas começa.
A estrada é estreita, com muitos trilhos diferentes, que se alternam por bifurcações constantes, na tentativa de escolher o melhor caminho. Quando dois carros, viajando em sentidos contrários, se cruzam, um deles tem que sair do trilho para que ambos consigam seguir viagem.
A vegetação alterna entre caminhos fechados entre os ramos de pequenas árvores, e vegetação rasteira, mas muito abundante. Cheira a verde e a pântano, mas à medida que nos aproximamos do mar, o seu odor faz-se sentir.
Tudo corre bem até ao cruzamento que passa despercebido para quem não o espera encontrar. O truque é procurar a indicação para a Reserva dos Elefantes e seguir na direcção oposta. A partir daqui as coisas podem-se complicar, pois a areia solta é mais abundante.
Em África há uma regra muito respeitada para quem gosta de se aventurar: nunca viajar só. Dado que as estradas asfaltadas são escassas e raramente nos levam aos locais mais longínquos e belos, a probabilidade de enterrar o carro ou partir qualquer peça importante do veículo, é elevada. Além de outras razões relacionadas com a segurança, este é um dos principais motivos para efectuar viagens em grupo, de pelo menos dois carros. Naquele dia, a nossa caravana era composta por dois jipes, um conduzido pelo Fernando e o outro, o do Tio António, que teve um furo pelo caminho.
Viajar em África é uma dimensão diferente para quem está habituado à Europa ou a qualquer país onde o todo-o-terreno se pratica por desporto, procurando-se locais adequados para sentir a emoção de ultrapassar dificuldades de condução. Em África, a tracção às quatro rodas é uma necessidade, até para quem vive nas cidades, onde o alcatrão alterna com gigantescos buracos.
Em Moçambique, dos cerca de três mil quilómetros de praias, apenas é possível chegar de carro sem tracção a menos de dez praias.
Nesta parte da nossa viagem era, de facto, possível cruzarmo-nos com elefantes. Com toda a certeza, encontrámos muitos macacos, a atravessarem os trilhos à nossa frente ou pendurados nas árvores à beira da estrada. Podíamos ainda procurar crocodilos, nas zonas das lagoas, muito perto do mar.
Uma vez, numa manhã de praia na Ponta do Ouro, ouvi uma grande azáfama de vozes, direccionando-se para um dos lados da baía. “Está ali um crocodilo!”. Não queria acreditar, mas era verdade, lá estava o pobrezinho, a tentar perceber como teria ali ido parar. Nem ele nem ninguém entendia muito bem o que teria ido fazer à praia! “Deve-se ter perdido”, diziam os veraneantes.
Bem, de volta ao nosso percurso, chegámos muito perto das dunas e aí o trajecto podia tornar-se mais lento. É muito comum encontrar uma fila de trânsito, nos dois sentidos, provocada por algum carro em dificuldades. Aí, todas as pessoas ajudam: empurram, tiram areia, puxam com cordas presas a algum carro com condições para rebocar, etc.
A nós também nos aconteceu e por mais de uma vez. Apesar da tracção, a falta de prática na condução não ajudavam. Percebi, durante os quatro anos de viagens em Moçambique, que a prática é essencial para conseguir ultrapassar dificuldades. Modéstia à parte, tornei-me uma boa condutora em trilhos de areia, na minha pick-up Mazda 3.4 V6, com volante à direita. Era uma maravilha e foi-me algo difícil deixá-la para trás.
Nesta altura, ainda não conduzia 4x4, apenas me deixava ir, aos solavancos, apreciando a paisagem e saindo do carro para ajudar a empurrar, chovar, é o termo utilizado pelos moçambicanos.
Chovar é uma das palavras que mais ouvi em Moçambique, pois não são só os carros enterrados que precisam de ser empurrados, o velho parque automóvel do país, assim o exige.
Depois de muitas atribulações, chegámos à Ponta do Ouro. Uma vila de casas de praia do tempo colonial, a maior parte delas já em reabilitação e algumas mesmo em construção, à volta da baía de águas claras. Baías entre pontas, é assim que esta zona está organizada.
A ponta do ouro é um dos locais preferidos dos sul-africanos, para o mergulho. Há, pelo menos, três escolas e uma dezena de zonas de corais que fazem as delícias dos amantes do fundo do mar. Não foi na Ponta do Ouro que aprendi mais este desporto, mas foi lá onde fiz alguns dos mais atribulados mergulhos de que tenho memória.
O calor era insuportável. A praia só era aconselhável pela manhã e ao final da tarde, mas era o suficiente para queimar a pele europeia. Dormíamos à sombra das árvores, tomávamos banho de água fria, comíamos ao ar livre e ali ficávamos a conversar e beber até muito tarde, já sem o gerador ligado, que nos dava a energia necessária para cozinhar. Ali ficávamos, iluminados pela lua, a contemplar o céu estrelado.
1 comentário:
Queremos ir à Ponta do Ouro este mês (Agosto 2008) e gostariamos de obter informacao sobre as condicoes actuais da estrada de terra batida. Quem nos pode fornecer informacoes mais recentes?
Grata!
-Paula-
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