sábado, 8 de março de 2008

Jun06 Aventuras pela Sibéria

Viva a todos!
Atendendo aos pedidos de muitas famílias, vou tentar relatar-vos, o mais resumidamente possível, os percauços da minha expedição à Sibéria!A ideia inicial era percorrer uma grande parte do norte do continente asiático através do comboio mais conhecido como Trans-Siberiano, mas que correctamente se chama Trans-Mongolia. Passo a explicar. O Trans-Siberiano apenas atravessa a Sibéria. O Trans-Mongolian atravessa ainda a Mongólia e termina em Pequim. E ainda há o Trans-Manchuria, que atravessa a Sibéria e vai directo a Pequim sem passar pela Mongólia, mas passando pela Manchuria. Nós escolhemos o Trans-Mongolia. Quando digo nós, digo eu e a minha amiga Sónia, que após mais esta viagem aventura disse "Nunca mais me apanhas numa destas!". Mas já foi pior. Quando atravessámos 150km no deserto do Sahara, a pé, a dormir em tendas e sem água para duche, ela passou a maior parte dos 10 dias a murmurar "Mas quem é que raio teve esta ideia?!".
A ideia desta viagem foi minha. Dois meses antes tratei de tudo através da internet e com tudo já marcado e parcialmente pago, a Sónia tratou dos vistos. Pensámos que esta seria a tarefa mais fácil, mas para azar da Sónia, foi a mais complicada. Os vistos para a China até foram fáceis. Os vistos para a Mongólia implicaram a viagem dos nossos passaportes até França, dado que a Mongólia não tem representação em Portugal. O mais difícil e complicado foram mesmo os da Rússia. Não vos vou contar pormenores, mas posso-vos dizer que tivemos que arranjar os chamados Visa Invitation para entrar na Rússia e pedir a uma agência de viagens especializada em viagens à Rússia para nos solicitar os vistos junto da embaixada da Rússia em Lisboa, dado que esta não aceita pedidos de vistos por parte de entidades individuais (estão a ver o lobby!). Outra característica é o facto da embaixada russa em Portugal não emitir vistos além do período de tempo em que se vai estar no país, ou seja, é necessário ter estadia e transportes marcados para que os vistos sejam emitidos. Só para um visto da Rússia foram cerca de 250 euros! Mais um bocadinho e os vistos ficavam quase tão caros como o resto da viagem!
Só mais uma curiosidade, a agência de viagens que nos ajudou (ou complicou!) na obtenção dos vistos, comercializa uma viagem com um percurso idêntico ao que escolhemos, e o preço quase duplicava o valor total das nossas marcações. Não vos posso dizer ao certo quanto gastámos porque acabou por não acontecer o que tínhamos previsto e com o alojamento adicional e novos bilhetes de avião, já não sei ao certo quanto gastámos, contudo não deve ter ultrapassado os 3 mil euros por pessoa.
Estão a ver a complexidade desta viagem, ainda nem partimos e já tenho dois grandes parágrafos escritos. Mas estas explicações são importantes para compreenderem o que se passou.

Dia 1 de Junho de 2007
7:00, saí do banco, fui ter com a Sónia e fomos de férias! Chegámos ao aeroporto de Madrid - Barajas cerca das 22:00, hora local e decidimos dormir no Terminal 4, onde iríamos apanhar o avião para St. Petersburg, às 06:00 da manhã seguinte. Esta foi talvez a coisa mais radical que vi a Sónia fazer. Ela queria experimentar como se dorme num aeroporto! Só não tivemos em consideração que o pessoal que dorme nos aeroportos carrega sacos-cama às costas, que acabam por ser muito úteis para se conseguir dormir num chão de pedra frio!

Dia 2 de Junho
No início da tarde aterrámos em St. Petersburg com a Air Brussels, depois da escala efectuada em Bruxelas. No aeroporto não há indicações num alfabeto que não o cirílico, situação que se manteve durante quase todo o tempo em que viajámos pela Rússia. Armámos-nos em turistas e procurámos chegar ao hotel pelos nossos próprios meios, i.e., apanhar o autocarro e o metro. Os autocarros variam entre os bus a que estamos habituados na Europa e os mini-bus que me habituei a ver em África! Talvez estes não sejam tão podres como os chapas que transportam os africanos em África, mas também não se equiparam aos mini-bus turísticos da Europa.
Outra característica presente nas quase duas semanas que passámos na Rússia, foi a ausência de qualquer língua falada que conhecêssemos. É claro que um português não espera que se fale português a não ser no Brasil, nos PALOPs ou no momento em que se encontra um outro turista português, sim, porque eles estão em todo o lado! Mas o Inglês é hoje a língua universal por excelência, pelo menos nos locais turísticos. Pois nem na Praça Vermelha conseguimos comunicar em inglês, e quanto aos portugueses espalhados pelo globo, acho que deve ser mais fácil encontrar um na lua do que na Rússia!
St. Petersburg, também ex-Leningrado, é uma cidade muito bonita. Não será o exemplo de manutenção de parque imobiliário, mas é muito agradável passear pelas principais e atarefadas avenidas da cidade e atravessar os canais (a água não é limpa, mas também não estava à espera de encontrar aqui as águas que banham Geneva). Os edifícios são nobres e imponentes e até podemos imaginar o Lenine a passar por nós.
Nesta altura do ano as noites brancas de St. Petersburg são uma sensação e sob o lusco-fusco da meia-noite há imenso movimento na cidade.

Sobre os russos. Povo tenso e pouco simpático. As raparigas são muito bonitas e vaidosas com as suas tamancas altas e mini saias curtas, um pouco out of fashion though! Fazem-me lembrar as raparigas inglesas que não vivem em Londres. No geral, as pessoas são tímidas e até um pouco envergonhadas quando toca à comunicação. Os homens parecem muito carinhosos com as mulheres mas não são especialmente charmosos. Esta minha descrição, que é apenas a minha opinião, é mais branda em St. Petersburg, mas muito mais dura em Moscovo!
O parque automóvel caracteriza-se pelo 8 ou 80. Com excepção do Dubai, nunca tinha visto tantos Volkswagens Tuareg, Porches Cayene e Mercedes qualquer coisa do mesmo género, como em St. Petersburg e em Moscovo. Contudo, todos os restantes carros, e são muitos mesmo, são do século passado. O parque automóvel russo reflecte a sociedade russa: uma faixa de pessoas muito ricas (que provavelmente souberam aproveitar a Perestroyka, mesmo que de formas menos claras) e o restante da população, que vive hoje, na mesma ou pior do que viviam no regime soviético. Apesar deste contexto económico-social, os russos são muito patriotas e continuam a adorar a Mãe Rússia, mesmo com o Macdonalds ao lado, sempre traduzido em russo claro!
A tão falada máfia não parece incomodar. Além duns senhores vestidos com fatos pretos, arma à cintura, a saírem de grandes carrões com vidros fumados, não vimos mais nada de especial. Parece que o Putin conseguiu controlar os conflitos territoriais dos grupos mafiosos e agora parece que ninguém chateia ninguém.


Dia 3 de Junho
Pouco passava das 23:00 quando entrámos no Red Arow, o famoso comboio que faz a viagem diária nocturna entre St. Petersburg e Moscovo. É de facto muito engraçado. Os nossos bilhetes eram de 2ª classe, dado o elevado preço dos de 1º classe, cerca de 250 euros, por isso partilhámos uma cabine para 4 pessoas, ie, com quatro camas. Os nossos companheiros de cabine, dois russos, um jovem e um mais velho. Entraram mudos e saíram calados. Mesmo quando tentámos comunicar, recusaram-se. Muito estranho!

Dia 4 de Junho
A chegada a Moscovo foi intensa. Muitas pessoas, 10 milhões. Muita confusão. O percurso para o hotel, mais uma vez, à conta do nosso suor e lágrimas, foi incrível.Com um mapa do metro de Moscovo numa mão e o da cidade de Moscovo na outra (e com os troleys vermelhos atrás!), entrámos no metro. Por causa da experiência de St. Petersburg, já sabiamos como nos desenrascar (e não somos nós o povo do desenrascanso?). Uma de nós soletrava o nome da estação e a outra tentava encontrar um macht nas placas indicativas. Isto até seria fácil caso as letras não fossem em cirílico. "E ao contrário, N de pernas para o ar, um A com umas perninhas...". Foi assim que nos deslocámos e quase nunca nos perdemos, quase...! A dificuldade foi o enorme fluxo de pessoas, como a água de um rio a transbordar. As nossas manobras para decifrar as indicações faziam de nós peões mais lentos que facilmente eram levados na corrente. E eu achava que a estação do Jardim Zoológico do metropolitano de Lisboa, às 8 horas de uma manhã de trabalho era difícil! Outra das razões que nos levava a sair da rápida corrente de pessoas, eram as pausas para observar as estações mais famosas, os chamados Palácios do Povo, que Estaline quis construir em homenagem à nação trabalhadora.
Quanto ao hotel, só não digo que é surreal porque passados uns dias fiquei involuntariamente instalada num hotel de uma pequena e longínqua cidade da República da Buriatia e depois não teria palavras para o descrever. De dia, o Hotel Belgrad de Moscovo, 3 estrelas, perto do centro da Cidade, não se consegue encontrar. Quer dizer, o edifício está lá, grande e a ocupar um quarteirão inteiro, contudo, o aspecto é o de um prédio abandonado e não tem qualquer indicação de que se trata de um hotel. Por isso não foi muito fácil fazer o check-in. Também poderia dizer que não foi fácil porque nem na recepção de um hotel com preços mínimos de 225 USD por noite, o inglês era muito fluente, além de que a simpatia não morava ali! Mas enfim, à noite o hotel era muito mais fácil de encontrar, todo iluminado, até parecia um hotel super hi-tech.
Ouvimos falar inglês pela primeira vez em 3 dias no Kremlin, entre os grandes grupos de turistas. Comemos muito bem em bons e very fashionable restaurants. Especialmente sushi (não é só em Portugal que os restaurantes japoneses estão em ascenção). Não tivemos oportunidade de conhecer os clubs nocturnos moscovitas. A verdade é que a idade já não ajuda e andar o dia todo pede cama à noite!

Dia 5 de Junho
Não gostei especialmente de Moscovo. É interessante para matar a coriosidade, mas penso que não voltarei voluntariamente. Magnitude e Passado, são duas palavras que, em meu entender, caracterizam a capital da Rússia. Tudo é enorme, desde os edifícios às ruas e avenidas, mas tudo tem um ar antigo e pouco cuidado. Há zonas da cidade que convidam à realização de filmes de terror!

Três estações de comboios ficam na zona da Somolenskaya e não foi fácil saber qual era a nossa, dado que a indicação que vinha junto aos bilhetes do Trans-Mongolian estava errada, como viemos a concluir! E lá estava ele, não russo como tínhamos imaginado, mas chinês, o comboio que nos iria levar de Moscovo até Pequim. Era muito grande, talvez dez carruagens. A nossa casa sobre carris era a Cabine 1 da Carruagem 10, em 1ª classe. Era confortável e limpa, com excepção dos vidros das janelas! Duas camas, um sofá, uma mesa e um duche que partilhávamos com os vizinhos do lado, o Bruce e o Ken, irmãos, já na casa dos 50 e americanos. Dado que as portas do duche não trancavam por uma qualquer dificiencia que nos era alheia, avisavamos-nos uns aos outros sobre quando o duche estaria ocupado. "Guys, i am going to have a shower!".

Dias 6, 7 e 8 de Junho
Os 3 dias seguintes passaram-se muito calmamente acompanhados daquele som das rodas a percorrerem os carris. A paisagem siberiana é verde nesta altura do ano, estepes pintalgadas aqui e ali por pequenos amontuados de casas de madeira, quanto a mim demasiado velhas e frágeis para suportar a neve dos rigorosos invernos, 40º negativos, disseram-me! Por vezes a paisagem deixava de ser verde e passava a cinzenta. Cidades de suporte a grandes fábricas, ou minas, ou o que quer que seja que tivesse exigido em tempos grandes quantidades de mão de obra, que entretanto continua a sobreviver nestes enormes conjuntos de blocos de apartamentos com mais de 20 anos, ou mais.
No comboio a vida continuava entre a leitura, as conversas com os nossos vizinhos americanos e as idas à carruagem-restaurante, principalmente para tomar o pequeno-almoço, que a Zena, a empregada, uma russa roliça e de dentes de ouro, nos trazia rapidamente: café com leite instantâneo, um prato com fatias de pão, outro com pedaços de queijo e uma pequena taça com manteiga. Não havia variantes.
Nas estações saíamos do comboio e íamos às compras no shopping centre que era o emaranhado de vendedoras de toda uma variedade de produtos como pão, pastéis recheados de algo parecido com carne ou queijo, bananas, laranjas, frango assado de há alguns dias, peixe seco, cerveja e cigarros.

Dia 9 de Junho
Chegámos à última estação russa, que serve também de fronteira de saída da Sibéria para a Mongólia. Nesta estação não nos foi permitido sair do comboio enquanto o pessoal da fronteira verificava os passaportes e nos entregavam os formulários de entrada na Mongólia.
A senhora russa que viu os nossos passaportes gesticulou e apontou para a data de validade dos nossos passaportes. Foi então que percebemos, o visto terminara há umas horas atrás, precisamente no dia 8. Ninguém se lembrou da diferença horária quando o visto foi emitido. A culpa começou por ser nossa, que indicámos o dia 8 como dia de saída da Rússia, mas passou pela agência de viagens que não verificou as datas, pela própria embaixada que emitiu o visto, pelos responsáveis pelo comboio que não verificaram os passaportes quando entrámos no comboio em Moscovo e finalmente terminou nos funcionários da fronteira Russa, que apesar de verem o que era mais do que óbvio: duas turistas a meio da viagem de comboio, de saída para a Mongólia, retiraram-nos do comboio e deixaram-nos simplesmente ali, nos confins da Sibéria, sem qualquer possibilidade de comunicação, dado que, como já referi, não se fala inglês e nada se encontra traduzido para um alfabeto nosso conhecido.
Confesso que, quando vi o comboio a afastar-se da estação, tive um momento de desalento, “E agora, como é que vamos sair daqui?!”.
O problema nem era tanto como iríamos sair dali, mas se sairíamos a tempo de voltar a casa na data marcada, 6 dias depois, de avião, de Pequim para Portugal. Exactamente dali a uma semana deveríamos chegar a casa e recuperar energias para voltar ao trabalho. Seria Sábado e a Sónia deveria voar de Portugal para França, em trabalho, no Domingo, e eu teria que regressar ao trabalho na 2ª feira.
Na mesma situação, fora do comboio e com o itinerário interrompido, estava um casal de ingleses de meia idade, o Jiles e a Peny. Viajavam rumo ao Japão para visitar a filha. Tinham decidido fazer uma viagem diferente e nesta altura do campeonato, o arrependimento estava estampado nas suas caras.
Um quinto elemento tinha ficado ainda apeado, o qual viria a ser o nosso “herói para sempre”, é o que significa Munkbaatar, que era o nome de um espião mongol que trabalhava para a União Soviética, e que colocou o mesmo nome ao neto, o Michael, nome com que o rapaz mongol, que também tinha sido retirado do comboio por falta de visto, se nos apresentou. O Michael, já esperava não conseguir passar a fronteira, pois estava ciente que tinha deixado o seu visto algures em parte incerta, depois da festa de despedida que os amigos lhe fizeram, regada com muito vodka. É produtor na estação de televisão pública da Mongólia, que o enviou para Moscovo, para fazer uma espécie de especialização. Regressava à Mongólia, tendo ficado retido na Sibéria, tal como nós. Só tinha umas pequeninas vantagens sobre nós: falava russo (e para nossa sorte, arranhava o inglês) e estava a cerca de oito horas de carro de casa, UlaamBaator, capital da Mongólia.
O Michael foi uma espécie de anjo da guarda que nos caiu do céu, disfarçado de guerreiro mongol, com os seus dois carrapitos de cabelo negro, a sua pele muito branca e os seus olhos em bico. Ficámos fascinados com a figura e ele acabou por ser o modelo para muitas fotografias à moda dos turistas.

Dia 10 de Junho
03:00, entrámos num comboio que seguia em sentido contrário àquele em que pretendíamos ir, i.e., íamos nos afastar da fronteira com a Mongólia, para o interior da Sibéria. Esta ideia, custou-me muito digerir, mas não havia alternativa, tínhamos que nos dirigir à cidade de Ulan Ude, para conseguir obter o visto que nos permitiria sair definitivamente da Rússia. Assim, a viagem durou cerca de 5 horas e chegámos ao destino de manhã cedo, depois de um sono mal dormido nas camas do comboio, que pareciam peças de lego suspensas em diferentes direcções.
No entretanto percebemos (agora o plural refere-se aos cinco e até poderíamos baptizar esta escrita de Os Cinco na Sibéria), que na 3ª feira seguinte, dia 12 de Junho, era feriado nacional na Rússia, e que estávamos presos num fim de semana longo e teríamos que aguardar 3 dias até que algum organismo público pudesse tratar do nosso assunto. Foi o que nos explicou a pessoa designada pelo Embaixada portuguesa em Moscovo para nos acompanhar, à distância claro, porque em Ulan Ude, a diferença horária é de + 5 horas que em Moscovo, o aeroporto russo mais próximo é em Irkutz, que fica a 12 horas de comboio, e a fronteira com a Mongólia fica a 3 horas de carro.
Mas o contacto com as entidades oficiais que nos podiam ajudar não foi fácil. No Sábado à noite, ainda dentro do Trans-Mongolian e na eminência de ter que o deixar, tentei ligar o número da embaixada portuguesa em Moscovo que vinha no guia que levava comigo. Nada, o número nem funcionava. Depois tentei a embaixada russa em Lisboa. Atendeu-me uma senhora russa, que no seu limitado português me informou que não me podia ajudar, mas deu-me o número do cônsul, para quem liguei logo de seguida em vão, ninguém atendeu. Já em terra, a Sónia, um bocado zangada e desesperada por estar naquela situação, ligou à amiga Joana, que ao perceber o estado de espírito da amiga, se desdobrou em tentativas telefónicas a quem nos pudesse ajudar, uma das quais, a comunicação social, na pessoa do José Rodrigues dos Santos, que passou a ser mais um dos nossos heróis, ou anjos da guarda ou whatever. No Domingo, o nosso querido jornalista informou a Joana que o Ministério dos Negócios Estrangeiros já estava a par da situação e que iria agir. De facto, na 2ª feira de manhã, recebemos um telefonema dum senhor português, muito preocupado com a nossa situação e assegurou-nos que estava a fazer os possíveis para nos ajudar a sair do país. Contudo, teríamos sempre que esperar por 4ª feira, dia 13, o dia em o país voltava a funcionar.
A partir deste momento a Marsha, funcionária da embaixada portuguesa em Moscovo esteve sempre em contacto connosco e foi incansável. Temos que prestar os nossos agradecimentos à embaixada e em particular à Marsha, que foi a nossa esperança durante a nossa estada forçada em Ulan Ude, Sibéria. Ainda pensámos que poderíamos contar com o apoio da embaixada britânica, mas eles nem se preocuparam em saber como o Jiles e a Peny estavam, simplesmente disseram-lhes que nada podiam fazer. Ainda fiquei mais orgulhosa da minha nacionalidade!

Dia 11 e 12 de Junho
Os dias seguintes começaram por se passar com alguma angustia, apesar da minha constante tentativa para animar o grupo e do humor britânico sempre conveniente do Jiles.
Quando todos interiorizaram que de nada valia o desespero, pois nada mais poderiamos fazer senão aguardar pela 4ª feira 13, o ambiente desanuviou e acabámos por aproveitar um tour turístico organizado pela Madame, é como eu lhe chamo porque nunca me lembro do longo nome dela. A Madame é uma senhora buriatia, que fala russo, mongol e inglês, dona de uma empresa operadora turística, onde emprega os seus conhecimentos adquiridos ao longo de muitos anos de guia turística, ainda durante o regime soviético. Mais uma vez, no meio de tanto azar, o nosso Michael descobriu esta Madame, que se tornou a responsável por nós em território russo (uma vez que estávamos em situação ilegal para todos os efeitos), e acabou por nos acompanhar até quase ao final desta aventura.

Visitámos um mosteiro budista e uma aldeia do povo chamado The Old Believers, que são uma espécie de Amish, só que na Rússia e não nos EUA. No fundo é uma comunidade que tenta preservar os seus costumes através dos séculos, o que não é assim tão difícil numa terra tão distante como esta! Fomos convidados a jantar numa das típicas casas de madeira com janelas pintadas de azul e decoradas com flores coloridas. As casas fazem-me lembrar a casa do avô da Heidi, feita de troncos redondos de madeira. Prepararam diversas iguarias deliciosas que acompanhámos com vodka caseiro. Não me parece que vá querer sentir o cheiro de vodka nos próximos anos! É que esta refeição deu-se dois dias depois de eu ter posto em prática o plano B de relaxe, beber para esquecer! E o resultado foi uma noite muito atribulada para a Sónia e uma grande dor na minha cabeça na manhã seguinte.
Mas as anfitriãns eram rijas, embora parecessem mais velhas do que os cerca de 70 anos que envergavam. Tinham bigodes e vozes de canto como as nossas senhoras das aldeias do interior norte português.
Apesar de não partilharmos um dialecto comum, entendemos-nos perfeitamente, entre gestos e expressões. É incrível como é fácil unir povos e culturas quando a isso estamos dispostos. Gostei muito da experiência, até porque foi o dia do meu 2º casamento a fingir. É verdade, depois do casamento no deserto, em Marrocos, com o meu lindo noivo dos camelos, o Hassan, agora casaram-me por esta tradição da buriatia, com o Michael, o meu noivo guerreiro asiático (o que está a dar é coleccionar noivos de raças diferentes!). Mas o conjunto era, no mínimo, exótico: uma portuguesa vestida com várias saias coloridas e um toucado enorme na cabeça, a dançar com um mongol de carrapitos na cabeça e túnica amarela, rodeados por um grupo de senhoras a cantar, numa aldeia na buriatia, republica Russa encravada entre a Sibéria e a Mongólia.

Dia 13 de Junho
09:00, todos a postos à porta do hotel, prontos para seguir para o tal organismo público a que chamávamos embaixada. Os cinco refugiados, a Madame e o Munka, o motorista, que também era médico.
A hora limite para sair de Ulan Ude em direcção à fronteira com a Mongólia era às três da tarde, caso contrário não conseguiríamos atravessar a fronteira que fechava às sete.
09:30, chegamos à embaixada.
09:35, fomos informados de que não havia energia no edifício e por isso não seria possível emitir os vistos.
Faço aqui uma pausa para imaginarem os minutos que passaram até conseguirmos acreditar que naquela altura passávamos a não poder sair do país porque a electricidade não chegava àquele edifício...
Mais uma vez a pressão da nossa embaixada em Moscovo e a preserverança da Madame, conseguiram convencer os funcionários públicos que teriam que encontrar outro local ou teriam que emitir os vistos à mão. Não sei bem como tudo se processou, só sei que entre as 10:00 e as 16:00, andámos num corrupio entre entrevistas com polícias, na presença de tradutores que mal falavam inglês, tirar fotografias tipo passe, assinar documentos e longas esperas. Às 16:15, a Madame vinha a correr com os vistos na mão, entrou na carrinha onde já nos encontrávamos e o Munka arrancou rumo à fronteira. Foram 3 horas de tensão, por um lado pela incerteza sobre se conseguiríamos passar a fronteira, por outro com receio que o Munka adormecesse ao volante, pois os olhos rasgados que víamos pelo retrovisor, por vezes pareciam duas linhas finas. Entre cantigas e muita conversa forçada chegámos à fronteira, e o grande portão de arame farpado já estava fechado.
Mais uma pausa para imaginaram as nossas expressões desoladas...
Desta vez apenas os conhecimentos e o respeito pela Madame nos safaram. Ela conseguiu que abrissem o portão e a fronteira foi aberta de propósito para nós passarmos.
Já em solo mongol fizemos uma festa. Não queríamos acreditar que tínhamos conseguido sair da Rússia.
Jantámos e seguimos viagem, pois a saga ainda não tinha terminado. Agora eram mais 5 horas de viagem até UlaamBaator e já tínhamos sido alertados para o facto do espaço aéreo do aeroporto Jangis Kaan estar encerrado por causa do mau tempo. Tínhamos um voo marcado para o dia seguinte às 18:00, de UlaamBaator para Pequim, e se não o conseguíssemos apanhar, não chegariamos a tempo de apanhar o nosso voo de Pequim para Madrid no dia seguinte às 11:40.
Bem, uma coisa de cada vez. Agora teríamos que chegar à capital mongol, o que aconteceu de madrugada, às 04:00, depois de uma viagem de terror, à noite, numa estrada estreita, com muitos camiões e outros veículos pesados, muitos deles acidentados. Acho que esta foi a parte mais perigosa de toda a viagem. Mas felizmente chegámos sãos e salvos ao hotel mais chique da cidade. Apesar de nos termos deparado com uma grande confusão de americanos e coreanos exaltados por causa dos cancelamentos dos voos, o que vinha confirmar as nossas suspeitas, naquela noite acho que, bem ou mal, todos dormimos. Eu e a Sónia ficámos numa enorme suite, com duas grandes camas fofas de lençóis brancos e macios. O difícil foi acordar na manhã seguinte!

Dia 14 de Junho
O dia começou cedo e estava chuvoso. Fomos levantar os nossos bilhetes de avião da Air Mongolia, a companhia aérea que mais possibilidade tinha de cumprir com os voos estipulados, dada a experiência dos pilotos mongóis na descolagem e aterragem de aviões no meio daquelas montanhas. Foi esta a razão que nos fez, 2 dias antes, reservar os bilhetes na Air Mongolia e não na Air China. É claro que quem reservou os bilhetes foi o Michael, pelo telefone, na sua língua materna. Por esta altura o Michael já estava em casa, mas acompanhou-nos até às 16:00, hora em que nos deixou no aeroporto. Detesto despedidas!

Adorei a Mongólia, não só por influência do Michael, mas porque era tudo o que não estava à espera. Em UlaamBaator, qualquer que seja a direcção em que olhemos, vemos montanhas. A cidade é composta de muitos prédios e tem o aspecto de qualquer cidade com um milhão de habitantes. Os arredores estendem-se pelo sopé das montanhas, sob a forma de casas de madeira e yourds (não sei se é assim que se escreve), as casas típicas da Mongólia. Parecem tendas redondas e ao que parece são muito quentinhas e confortáveis no Inverno, que é a maior parte do ano. Têm um pequeno quintal à volta, uma cerca, o carro estacionado ao lado e por vezes até têm antenas parabólicas. Tal como na Sibéria, nesta altura do ano tudo é verde e castanho, mas acho que deve ser muito bonito quando tudo estiver coberto do branco da neve.

Resumindo, o nosso avião para Pequim, que vinha de Tokyo, descolou era quase meia noite. Mas descolou, viva!

Dia 15 de Junho
02:00, chegámos a Pequim. Foi aqui que nos separámos dos nossos companheiros ingleses. Já disse que não gosto de despedidas. Foi simples: um abraço e buy, bye! Eles são o máximo!
Apanhámos um taxi para o hotel que tínhamos reservado inicialmente por 4 noites e que ficava mesmo ao lado da Cidade Proibida! Dormimos à pressa e acordámos cedo para termos tempo de dar uma volta de taxi pelo centro da cidade antes de seguirmos para o aeroporto, onde teríamos que estar por volta das 10:00. E assim foi, passámos pela Praça Tienamen e rumámos ao aeroporto. Deu para percebermos que Pequim é hoje uma cidade muito organizada e é visível que os jogos olímpicos 2008 estão à porta.

Finalmente estávamos de regresso a casa, no Boing 767 da Aeroflot Russian Airlines. Por mais bonitos que achem os aviões, nunca cometam o erro de viajar nesta companhia aérea, nem que vos paguem. Depois não digam que não avisei.
“Comissário de Bordo (Cromo): - xni3dsçpawkfnhbjshfvlçqwkçqwdk...
Nós: - Inglish please!
Cromo: - No inglish, this is russian airlines!
Nós: de boca aberta, até agora.”
Tivemos que gramar com os russos outra vez, no avião Pequim-Moscovo, no aeroporto de Moscovo, onde ficámos 2 horas e no avião Moscovo-Madrid!
Chegámos a Madrid às 23:00. Nunca me senti tão feliz por estar no meio dos Espanhóis.


Dia 16 de Junho
Depois de uma noite bem dormida (desta vez num hotel das redondezas do aeroporto de Madrid e não no aeroporto, nele próprio!), apanhámos o nosso lindo avião Airbus 230, da nossa querida TAP, com as nossas razoavelmente simpáticas hospedeiras, até à nossa magnífica cidade de Lisboa!

Rita Salteiro



Nota 1: Talvez a opinião sobre os russos constante neste relato, ainda esteja um pouco influênciada pelos estranhos episódios ocorridos!
Nota 2: Sorry se encontrarem mtos erros (já demorou tanto tempo a escrever que agora não estou com paciência para revisões!).

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