quinta-feira, 24 de abril de 2008

FILIPA

- Pai, veja que horas são – pede a enfermeira.
Como se tivesse sido telecomandado, levantou os olhos para o relógio de parede da sala de partos – onze e vinte e três – disse, ainda que não se tivesse logo apercebido de que ainda era dia vinte e três.
Dia 23, às 23:23, só pode ser um bom presságio! – concluí eu, já no quarto nº 5 do 5º piso do serviço de obstetrícia do Hospital Garcia da Horta.
Cheguei com ansiedade. Afinal foram cerca de nove meses de conversas sobre o primeiro filho da Paula e do Luís. A primeira ida ao médico com a Paula. A escolha do nome assim que se soube o sexo e a apreensão do futuro pai à preferência da futura mãe (uma música dos Enapá2000 não abonava a favor do nome Alice). A barriga a crescer e a confirmação da minha expectativa de que a Paula seria uma daquelas grávidas que não nos apercebemos de que está grávida quando a vemos de costas, alta e com uma barriga redonda e saliente.
Nas últimas semanas achava muito estranhos os movimentos da Filipa contra o que parecia, uma fina camada de pele esticada. De facto, ao vê-la cá fora, perguntei-me como coube ela naquele pequeno espaço durante tanto tempo. Acho até que quando se estica, como se espreguiçasse muito, é para compensar as limitações de espaço que teve até ontem.
A probabilidade de encontrar um bebé recém-nascido enrugado e meio deformado, é grande, mas encontrei uma Filipa de 46cm, 3kg, com muito cabelo, umas unhas minúsculas mas a precisarem de ser cortadas, umas pestanas grandes, uns dedos compridos e uma pele rosada. Não faço ideia se se parece com a mãe ou com o pai. Não chora e parece conviver bem com este seu novo meio envolvente. Dorme e come, como todos os bebés, e faz caretas como se estivesse num qualquer sonho invejável.
Quando se entra numa maternidade, há uma espécie de estado de graça no ar. As mães, embora com aparências cansadas, irradiam felicidade, os pais, parece que pairam num estado meio zen, e até as enfermeiras parece que foram tomadas por um acesso de bem-estar e bondade que não se encontra em qualquer outro lugar de um Hospital. É quase escandaloso, vê-las passearem pelos corredores com bebés seguros por um só braço, a distribuírem sorrisos.
Quando olhei para a Filipa esqueci-me, momentaneamente, da mãe. Só fiquei a olhar, fascinada com o resultado da gravidez que acompanhei. A Paula colocou-ma nos braços com um gesto simples e descontraído e eu fiquei a tremer com os 3kg mais pesados que alguma vez senti.
Penso que não existe quadro mais feliz do que uma filha acabada de nascer nas mãos de um pai. Simboliza toda a ternura, protecção, esperança e amor do mundo.
Esta manhã foi assim que acordei: “Rita não sei quanto pesa nem quanto mede mas o maior desafio da minha vida começou ontem e chama-se Filipa...”!

080424/RS

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