terça-feira, 29 de abril de 2008

SOU

Sou sol, sou Verão e calor. Não sou frio. Mas sou neve, com ski durante o dia e lareira à noite.
Sou duches de água quente para aquecer.

Sou cheiro de bronzeador. Sou praia à sombra de chapeu de sol. Sou água salgada e areia dourada. Não sou campo, mas sou passeios a pé.
Sou espaços abertos. Não sou multidões.
Sou óculos de sol e cabelos ao vento a viajar para férias. Já fui viajar.
Adoro o cheiro da gasolina nas estações de abastecimento de combustível.
Não sou cheiro de fast-food, mas sou happy meal da mcdonnald’s.
Sou muito sushi. Sou gengibre. Sou queijo e vinho tinto. Sou caipirinha. Não sou cerveja.
Não sou restaurantes com eco. Sou ambientes calmos para comer.
Sou aventura.
Sou roupa interior de algodão. Não sou fibras artificiais em contacto com a pele.
Sou amor, paixão. Sou muito romance. Sou olhares intensos. Já fui menos pelos lugares comuns.
Sou velas acesas. Não sou ocasiões especiais. Sou viver um dia a seguir ao outro.
Definitivamente sou paz, not war.
Sou sinceridade. Detesto angústia.
Sou admiração pela serenidade.
Não sou muito igreja, mas sou respeito por todas as religiões.
Posso ser saudade, mas não sou fado.
Sou melodia, não sou barulho.
Sou versatilidade. Não sou sempre o mesmo estilo.
Sou gorros e luvas no Inverno.
Sou ler, sou escrever. Não sou cinema sem pipocas.
Já fui skydiving, mergulho, tiro ao alvo, squash. Sou nadar. Não sou correr e devia ser um pouco mais pelo ginásio.
Sou todo-o-terreno. Mas também sou turismo no asfalto.
Sou cães grandes. Sou gatos de todos os tamanhos. Sou girafas e elefantes. Não sou hienas. Não sou pássaros, mas sou voar.
Sou branco. Sou muitas cores juntas. Sou castanhos no Outono.
Sou laranjas, toranjas e ananas. Não sou morangos.
Sou tulipas, sou malmequeres e geribérias. Não sou magnólias, mas gosto do cheiro.
Sou odor de baunilha e de canela. Não sou alfazema.
Sou savana e deserto. Não sou trânsito.
Sou mais oriente do que ocidente, e sou África.
Sou tantas coisas mais, e outras tantas não sou.
Sou eu!

O PAI

Hoje visitei a Filipa, no seu 6º dia de vida. Desta vez fiz-me acompanhar da minha irmã, grávida de 5 meses, e da minha mãe, a 4 meses de ser avó pela 1ª vez. Esta tarde a Filipa teve ainda a visita da avó materna, portanto, teve uma assistência de 4 pessoas, enquanto o pai lhe mudava a fralda e a mãe lhe dava de mamar. Mas os pais babados já não estranham a audiência, parece que para verem o primeiro banho da Filipa em casa, a plateia reuniu mais de uma dezena de pessoas, entre os avós, tios, primos e vizinhos.
Ela continua serena entre os choros de aviso de fome. Já os pais são uma mistura de fascínio e medo. Estão encantados com a vida que criaram, mas um pouco mais assustados do que pareciam nas primeiras horas de vida da filha. Uma espécie de desassossego por não saberem muito bem se estão a fazer tudo bem, se há alguma outra razão para o choro, que não a fome, ou a fralda ou as cólicas. Pessoalmente, acho terrificante decifrar o choro de um bebé.
Mas este apontamento não é tanto sobre a Filipa ou sobre a minha inexperiência no que diz respeito à maternidade. Este registo é mais sobre o milagre da paternidade.
Já conheço o Luís há muitos anos, duas décadas talvez. É um homem reservado e de poucas palavras e algumas piadas. À primeira vista reconhecemos uma postura low-profile, que até pode parecer sem grande versatilidade, mas desenganem-se. Já assisti ao seu streapteese em cima de uma coluna, à paciência com que atura uma história sem nexo, à facilidade com que disponibiliza um ombro, à placidez com que constrói uma relação, ao entusiasmo com que me explica praticamente tudo o que sei sobre arte, sobre pintores, escultores, fotógrafos, cineastas ou arquitectos, ao prazer com que se dedica à fotografia, à calma com que lida com o pânico, mesmo que venha a sucumbir ao choque mais tarde, e quando acho que já lhe conheço todas as expressões, eis que surge um novo olhar, um novo sorriso, o de pai. É surpreendente vê-lo embalar a Filipa.

080429/RS

quinta-feira, 24 de abril de 2008

FILIPA

- Pai, veja que horas são – pede a enfermeira.
Como se tivesse sido telecomandado, levantou os olhos para o relógio de parede da sala de partos – onze e vinte e três – disse, ainda que não se tivesse logo apercebido de que ainda era dia vinte e três.
Dia 23, às 23:23, só pode ser um bom presságio! – concluí eu, já no quarto nº 5 do 5º piso do serviço de obstetrícia do Hospital Garcia da Horta.
Cheguei com ansiedade. Afinal foram cerca de nove meses de conversas sobre o primeiro filho da Paula e do Luís. A primeira ida ao médico com a Paula. A escolha do nome assim que se soube o sexo e a apreensão do futuro pai à preferência da futura mãe (uma música dos Enapá2000 não abonava a favor do nome Alice). A barriga a crescer e a confirmação da minha expectativa de que a Paula seria uma daquelas grávidas que não nos apercebemos de que está grávida quando a vemos de costas, alta e com uma barriga redonda e saliente.
Nas últimas semanas achava muito estranhos os movimentos da Filipa contra o que parecia, uma fina camada de pele esticada. De facto, ao vê-la cá fora, perguntei-me como coube ela naquele pequeno espaço durante tanto tempo. Acho até que quando se estica, como se espreguiçasse muito, é para compensar as limitações de espaço que teve até ontem.
A probabilidade de encontrar um bebé recém-nascido enrugado e meio deformado, é grande, mas encontrei uma Filipa de 46cm, 3kg, com muito cabelo, umas unhas minúsculas mas a precisarem de ser cortadas, umas pestanas grandes, uns dedos compridos e uma pele rosada. Não faço ideia se se parece com a mãe ou com o pai. Não chora e parece conviver bem com este seu novo meio envolvente. Dorme e come, como todos os bebés, e faz caretas como se estivesse num qualquer sonho invejável.
Quando se entra numa maternidade, há uma espécie de estado de graça no ar. As mães, embora com aparências cansadas, irradiam felicidade, os pais, parece que pairam num estado meio zen, e até as enfermeiras parece que foram tomadas por um acesso de bem-estar e bondade que não se encontra em qualquer outro lugar de um Hospital. É quase escandaloso, vê-las passearem pelos corredores com bebés seguros por um só braço, a distribuírem sorrisos.
Quando olhei para a Filipa esqueci-me, momentaneamente, da mãe. Só fiquei a olhar, fascinada com o resultado da gravidez que acompanhei. A Paula colocou-ma nos braços com um gesto simples e descontraído e eu fiquei a tremer com os 3kg mais pesados que alguma vez senti.
Penso que não existe quadro mais feliz do que uma filha acabada de nascer nas mãos de um pai. Simboliza toda a ternura, protecção, esperança e amor do mundo.
Esta manhã foi assim que acordei: “Rita não sei quanto pesa nem quanto mede mas o maior desafio da minha vida começou ontem e chama-se Filipa...”!

080424/RS